domingo, 13 de março de 2011

sábado, 5 de março de 2011

Jantar nas Montanhas - um poema da serra do mar

Este poema é inspirando na excursão que realizamos (Tati e eu) ao Pico Paraná na Virada de ano 2009-2010.



A noite chegou mansa, como uma boa mãe diligente, que envolve a criança dormente, a bela criatura amada numa manta bem limpinha, tão formosa, tão perfumada. A lua brilhou como o rosto de um anjo prudente e atento. As estrelas fizeram asas, voaram, ganharam o firmamento.

A viagem que nos trouxe até aqui, agora repousa na mente, foram muitas horas a subir pelo desfiladeiro, antes do poente. A Terra Boa, a cachoeira Arco-Íris, as flores nas pedras, a pedra do grito: onde a vista avoa por vales bem mais bonitos que na tela dos pintores; onde o bigornear das arapongas rompe os ares com sons comovedores; donde rústicos dedos de pedras toscas tecem delicadas neblinas; donde as casinholas parecem casinhas de bonecas pequeninas; onde os sonhos escapam do peito e escarpam o próximo leito de rio.

Acendo o pavio da vela de cera com cheiro de mel, dentro da barraca coberta pelo céu no seio das montanhas que cerram o mar; aonde sempre veio a passeio, mas queria mesmo era ficar. Plantar um ranchinho com fogão de lenha, pomar e varanda. Tocar violão, para os gnomos cantarolarem e as fadas fazerem ciranda.
A ausência do peso das mochilas nos deixou leves, leves ficaram nossas almas que como a névoa da paisagem se mesclaram à serenidade que se encontra no cimo dos montes, longe da euforia das cidades. As noites calmas de acampamento são para os que peregrinam pelos montes um prazer e um contentamento sinceros. Como beber água que jorra da fonte depois de um dia severo de sol. É a hora em que as mãos suaves do arrebatamento desatam os pesos do pensamento e do corpo, deixando a magia se aconchegar. É o momento do jantar, simples, mas tão generoso como o mais refinado manjar. O fogareiro umedecido pelo orvalho que se assentou na relva fina em que jazia esquecido, logo, resplandeceu com suas labaredas azul-esverdeadas, vermelhas ritmadas. As mãos afobadas fizeram a água da garrafa soluçar na panela que a sombra ocultava, enquanto outras duas seguravam-lhe as asas e tão breve puderam foram colocadas sobre as hastes entortadas que gemeram com o peso do caldeirãozinho prateado.

O canivete com cabo amadeirado feriu o saquinho de sopa com legumes desidratados que chiaram antes de mergulhar no líquido que ansiava por querer borbulhar. A tampa um pouco amassada como um chapéu velho encontrou sustentação, enquanto a chama enfumaçada tostava o fundo da panela que ficou negro como tição. Os vapores que escaparam das fervuras pelo ar, enfeitiçando as narinas com seus odores, aqueceram nosso pequeno abrigo numa colina harmoniosa, pressagiando a sopa deliciosa.

Nossa luz embaçada se perdia no infinito, a rolha de cortiça escapava do vinho tinto. O licor rubro embebedou o canecão que ficou com as largas bordas manchadas cor de uva. Os olhos procuravam pelo pão, as mãos despiam-se das luvas que caiam pelo chão para agarrar os talheres e os pratos improvisados em dois potinhos que, em breves segundos, ficaram plenos de ensopado que a mulher amada compartilhava com muito carinho. Agradecemos calados aos seres do paraíso pelos ansiados alimentos que recebemos. Entre sopros e sorrisos; tragos e colheradas. Ficamos saciados, embriagados e adormecemos; com uma boa dose de exaustão, algumas tigelas de sopa embebida em retalhos de pão, meia garrafa de vinho, uma noite enevoada e um abraço justinho ouvindo o coração contente da namorada.

Ricardo Letenski

nosso pequeno abrigo numa colina harmoniosa


A lua brilhou como o rosto de um anjo prudente e atento.


a panela que a sombra ocultava