quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Primavera mística

Era um dia de setembro de um ano qualquer em nossas vidas. Um dia desses comuns, que só apontam em uma direção e seguem em frente, com toda calma do mundo, vivendo no presente sua única e melhor esperança. Trazendo, agora, o cheiro alegre e reconfortante da primavera, a maior e mais bela festa das estações, na qual se avivam e se sintonizam todos os inocentes gênios da natureza, se unindo num imenso e caloroso abraço, que começa a envolver nosso meridiano, tocando com uma melodia incrivelmente delicada a alma das flores, despertando-as.

Elas se reúnem em bandos multicoloridos, abrindo suas pétalas e folhas, como nossos pequenos quando estendem suas minúsculas mãos para o intocável arco celeste. Embalados, de um lado, para o outro, pela música das esferas da vida e por uma força brilhante, tangendo em seus corações, como um tiro certeiro do amor universal, flechando com raios de sol, os grilhões, que desprendem a liberdade, para que os gérmens da luz possam florescer , celebrar e enfeitar a passagem dos ciclos, no confuso e maravilhoso teatro da vida, se movimentando, continuamente, abrindo e cerrando as cortinas do tempo.

O confortável e rechonchudo rosto solar madrugou sorridente e sonolento, com seu ar simpático e despreocupado. De quem conhece com clareza suas tarefas e limitações. Transformando as dificuldades, em ferramentas plenas, para manejar as labaredas indomáveis da felicidade e sabe, alegremente, espantar os problemas com paciência, compreensão e um largo sorriso camarada, quase debochado , mas muito substancioso e encorajador.

Com a naturalidade e a segurança de quem faz isso a milhões de anos, mas, ainda, com um jeito de menino. Salpicou um chuvisco de gotinhas no vazio, não eram de água, muito menos podiam ser poeira. Eram tão pequeninas que somente se estivessem juntas aos milhares alcançariam o tamanho de um grãozinho de areia. Feitas da mesma matéria soprada pela Criação nas narinas dos homenzinhos de barro para inflamar seus pulmões com a vida. As gotinhas brilharam, se espalharam e se confundiram com o ar. E a noite se desfez em pedacinhos.

Os pássaros cantaram de forma barulhenta, mas comovente, com voz de sininhos de cristal, bagunçados, mais pela variedade, que pelo vento matinal espalhado pelo chão; alguns se elevaram crescendo como gigantes pela altura, mas, que por vezes, desapareciam na distância, voltando para levar o céu cor de rosa até o azul, que as nuvens não pararam de esculpir.

O sol continuou com suas intermináveis obrigações, acariciou com um beijinho morno a face da perfumada Terra, tão suave e tão carinhosamente, que ela suspirou e uma brisa nasceu cambaleante pelo ar, arrojada pela confusão de muitíssimos jovenzinhos, luminosos, translúcidos, alguns pequenos como pontos e outros consideravelmente maiores, que só quem não barganhou sua inocência por um saquinho de ar, enfeitado com laçinhos coloridos, ainda consegue perceber.

Em seguida, seus amplos olhos de oceano, se despiram devagar , com o cuidado de um dedicado artista que cria com traços leves, porém inesquecíveis. Progressivamente, na medida do afastamento das pálpebras, alinhados mergulhadores, na forma de duras e compridas setas de luz, invadiram sua visão, que não parou de amanhecer.

Então, se fundiram, o Pai das Luzes com seus filhos de vento, bailando entre os passos debutantes da valsa. Caminharam pelas campinas retocando as cores do dia, que

desbotam para um descanso, mas que voltarão a se recompor, até que o menino lhes dá vida abandone seus corações.

Os passos tranqüilos da majestade combinaram com o solfejar delicado das inefáveis asas de princesas e príncipes de suas fabulosas criancinhas aéreas. Despencaram num salto inusitado com as águas, rabiscando as cachoeiras. Ele mergulhou no profundo e quase foi tocar as feridas do mar.

Os meninos agitados em travessuras marulharam e dobraram as ondas, que ora ,ou outra, se desfaziam numa explosão de espuma e grossas caudas de água salgada. As menininhas carinhosas e visivelmente mais apaixonadas que empolgadas, faziam tudo se encontrar no abraço repetitivo das praias.

Todos bailavam flutuantes no ar; seus movimentos contornaram nuvenzinhas de algodão e, outras granduras, que a imaginação pudesse recriar. No chão descreviam, conchas e montes de areia, longos gramados cobertos de flores com indecisas borboletas desocupadas ou decididas abelhas trabalhadeiras. Ainda, antigas montanhas erguendo-se como um longo dedo indicador apontando para um mundo azul ou por vezes lembrando grandalhões, tombados por um sono secular, imóveis, dando a impressão, silenciosa, quase de morte.

Seguiram, navegantes, escorrendo nos regatos, rolando os seixos no fundo do riacho e os amontoando em extensas e incontáveis camadas, às vezes, correndo velozes como o leopardo, mas sempre com refinado cuidado e detalhada atenção, nada que existe pôde se ocultar e toda natureza foi se completando.

Bateram na janela das casas e já e haviam escapado pelas frestas da porta, mas continuaram ali, ao mesmo tempo em, se esparramavam por toda parte. Já haviam secado as roupas no varal, cansado com a infância em seu balanço, levaram os trabalhadores embora. Ele foi dormir com a as galinhas, entregando seus satisfeitos filhos, ao seio da selene e adorada mãe noturna, de rosto delicadamente cintilante e juvenil, com cabelos iluminados, cor de prata enfeitados por uma guirlanda de estrelas.

O dia se foi, e as cortinas da noite se instalaram comodamente, entre os trilhos imaginários, que circunscrevem, as tarraxas da argola de greennwich, enroscadas no último bastão incendiado de sol, a escuridão se desatou desigual. Como o descorar das faces, de uma esférica e astronômica ânfora de barro se revestindo de lua nova, girando incessante na roda do oleiro.

A lua parecia um pingente de cristal encerado, enlaçada em um confuso cordão de pedrinhas brilhantes, que decorava uma caixinha de jóias azul marinho e luminosa. Refletia e podia ser vista por todas as parte. Formava círculos concêntricos prateados na serenidade espelhada da lagoa, que vez, ou outra, era interrompida pela minúscula vida de saltitantes criaturinhas noturnas. Pendia com a gota de orvalho na extremidade das folhas, saltava, de um, para outro, nos barulhentos vagões do trem e apanhava a menina dos olhos de quem a contemplasse.

Ricardo Letenski

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

LANÇAMENTO DO LIVRO POESIA DE SEGUNDA


Poesia de segunda (Série Lírica)

Edição: 1a

Páginas: 240

Formato: 14 x 21 cm

Peso: 150 g

Miolo: papel offset (LD) 90g/m²

Capa: cartão supremo LD 250g/m²

Ano de publicação: 2011

ISBN: 978-85-62450-20-4



Sobre os autores

Egerson Soares Pavão (Geógrafo, Ponta Grossa, PR, 1977), Ge Fazio (Pedagoga, Manhumirim, MG, 1951), José do Carmo Ligeski (Professor de Língua Portuguesa e Literatura, Jaguapitã, PR, 1954), Mário Sérgio de Melo (Geólogo, Votorantin, SP, 1952), Mariza Boscacci Marques (Bioquímica, Porto Alegre, RS, 1959), Ricardo Letenski (Geógrafo, Ponta Grossa, PR, 1983) e Rilka Lúcia de Jesus Bandeira (Professora de História, Maceió, AL, 1965).



Apresentação



O livro “Poesia de segunda” reúne a produção poética do grupo “poetas de segunda” (de Ponta Grossa, PR) ao longo de um ano, desde agosto de 2009 até agosto de 2010. Sete autores, de nove que começaram o grupo, permaneceram até a conclusão do livro. A maioria já tinha alguma experiência poética anterior, outros vieram iniciá-la no grupo. Para todos os sete a experiência no grupo tem sido muito estimulante e renovadora.

O nome “poetas de segunda” só se firmou no início de 2010, quando os encontros poéticos mostraram-se viáveis nas noites das segundas-feiras. A dinâmica dos encontros do grupo previa a escolha de dois temas (palavra, expressão ou foto), sobre os quais deveriam ser escritos os poemas para o encontro seguinte. Por esta razão, os poemas estão agrupados ao longo do livro por temas, numerados em sequência, na ordem cronológica de sua criação. São vinte e oito temas e cento e trinta e oito poemas.

Fazer poesia

(Ricardo Letenski)

É fazer um bocadinho de magia
É descobrir flores
Onde não se imaginaria

É encantar a palavra dormente
Fazê-la ressoar divinamente
Silenciosa sinfonia

É acordar a criança
Que dormia
Na lembrança


É poder desarrumar as estrelas
E rabiscar o céu numa noite vazia
Em que não se pode tê-las

É desemaranhar
Um novelo de lã
De palavras embaralhadas

É espiar pelo buraco da fechadura
Fria, e sondar o universo
É remendar um tecido controverso

É caçar borboletas
Com um par de varetas
Em plena ventania

Entender de poesia
Isso já é querer demais
Prum único dia
Para breves mortais...